[COMUNICADO DE IMPRENSA] Na sequência de alguns comentários públicos ao lançamento do Relatório Annual de 2004 da AI, a Secção Portuguesa da Amnistia Internacional solicita a publicação do texto que se segue:
Num editorial significativamente intitulado "Um Relatório Político", a propósito de alegado destaque crítico dado na Introdução do Relatório Anual publicado pela Amnistia Internacional (AI) à actuação do governo dos Estados Unidos, escreve-se que neste Relatório "deixa de haver noção das proporções" e acusa-se esta organização de ter passado "a preocupar-se demasiado com fazer política. Ou, pelo menos, em dar opiniões sobre política". Conclui-se que a AI "perdeu a memória ou está obcecada com uma pequeníssima parte da realidade".
Ao longo da história da Amnistia Internacional, muitos foram os seus relatórios que causaram incómodo; muitos outros foram alvo de tentativas de descrédito. Não é nossa intenção alimentar debates, ou responder ponto por ponto às acusações expressas. Sublinhamos apenas que aquilo que é denunciado como sendo de extrema gravidade pela AI na parte do Relatório em que, a AI "cai mesmo no ridículo", é o facto de governos objectivamente negligenciarem a defesa dos direitos humanos em nome da segurança ou da chamada guerra ao terror. Entre outros efeitos negativos, tal estratégia a longo prazo elimina precisamente as hipóteses de segurança - esta só é sustentável num contexto em que o respeito pelos direitos humanos esteja garantido.
Tal como a violência criminal deverá ser combatida através de um melhor - e não de um brutal - sistema de policiamento, também a insegurança e a violência devem ser combatidos por Estados responsáveis, que respeitam os direitos humanos e asseguram a segurança dos seus cidadãos, através do cumprimento e não da violação dos seus direitos humanos. Outro facto ainda denunciado pela AI ligado à chamada guerra ao terror é que, ao concentrar as atenções e recursos da comunidade internacional, põe em risco os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio das Nações Unidas e conduz ao ignorar ou minimizar de muitas violações graves de direitos humanos que vão ocorrendo em todo o mundo. O propósito do Relatório sempre foi, e continua a ser, não deixar passar em claro esses acontecimentos. Por isso mesmo, estão documentadas violações de direitos humanos em 155 países.
Mas há que não esquecer que o referido Relatório Anual, é como o seu nome indica, ANUAL. O destaque dado às acções protagonizadas pelos Estados Unidos em 2003 (que, aliás, está sempre a par da estrita condenação de acções protagonizadas por grupos terroristas) indica o exacto relevo dessas acções nesse exacto período. Com efeito, da mesma forma que a Amnistia Internacional não estabelece rankings de entidades agressoras de direitos humanos, também não se escusa a nomear a extensão dessas agressões, venham elas de onde vierem. Nem tão pouco afirma a AI que, conforme primeira página do jornal, a "situação dos direitos humanos é a pior dos últimos 50 anos". O que, na verdade, a AI afirma é que, paralelamente a sinais inequívocos de um poder emergente da sociedade civil para promover a reviravolta a favor dos direitos humanos, quer os padrões quer o enquadramento de defesa dos direitos humanos que têm vindo a ser construídos nos últimos 50 anos, estão a ser alvo do mais sustentado ataque da respectiva história.
Nesse sentido, a AI não emite uma "opinião fundada numa orientação política" mas apenas constata que a lei internacional de direitos humanos e a lei humanitária estão a ser desafiadas como ineficazes na sua resposta aos problemas de segurança, e que em vez disso os governos permitem que continuem sem resposta a injustiça e a impunidade, a pobreza, a discriminação e o racismo, o comércio descontrolado de armas ligeiras, a violência contra as mulheres e o abuso de crianças.
Como escrevemos no início, não é nossa intenção polemizar. O texto visado pela crítica (a introdução ao Relatório) está disponível no sítio da Amnistia Internacional www.amnistia-internacional.pt. Convidamos todos a verificar se, sim ou não, a Amnistia Internacional é fiel ao seu ideal de imparcialidade e independência.
A. J. Simões Monteiro
Presidente - Amnistia Internacional, Portugal
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