sexta-feira, novembro 19, 2010

Cimeira da NATO: Amnistia Internacional Portugal escreve ao ministro da Defesa

A Amnistia Internacional Portugal enviou no dia 15, nas vésperas portanto da cimeira da NATO, ao ministro da Defesa, Augusto Santos Silva, com conhecimento ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Dias Amado, a carta que o BLOG19 reproduz aqui. Nela dá conta das suas principais preocupações sobre a deterioração da situação dos Direitos Humanos e da Segurança no Afeganistão.


Sua Excelência
O Ministro da Defesa Nacional
Prof. Doutor Augusto Santos Silva
Ministério da Defesa Nacional
Av. Ilha da Madeira
1400-204 Lisboa


Lisboa, 15 de Novembro de 2010

C/C Sua Excelência o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Dr. Luís Amado

Assunto: Afeganistão: Três passos concretos para melhorar a situação de Direitos Humanos do povo Afegão

Excelência,

A alguns dias de distância da Cimeira da NATO a ter lugar nos dias 19 e 20 de Novembro em Lisboa, a Amnistia Internacional – Portugal, pedindo que as leve à referida Cimeira, damos a V. Exa. conhecimento das nossas preocupações sobre a deterioração da situação dos Direitos Humanos e da Segurança no Afeganistão e enviamos a V. Exa. as recomendações chave para a melhora a segurança e o bem-estar do Povo Afegão.

Nove anos após a Comunidade Internacional ter ajudado o Presidente Hamid Karzai a assumir o poder, os Afegão enfrentam insegurança crescente, deterioração visível do Primado da Lei, dos sistemas de protecção dos Direitos Humanos a par da existência de fraca governação e corrupção endémica. Como certamente é do conhecimento de V. Exa., a protecção dos Direitos Humanos do Povo Afegão foi frequentemente proclamada como justificação para a intervenção internacional no Afeganistão em Outubro de 2001, para remover o regime Talibã do poder. O Governo Afegão e os seus aliados internacionais, a maior parte dos quais são membros da NATO, comprometeram-se a atingir uma série de metas de modo a melhorar o respeito pelos direitos do Povo Afegão no programa “Afghanistan Compact”, que identificou as melhorias na governação, no Primado da Lei, e nos Direitos Humanos os pilares fundamentais de desenvolvimento para o futuro do Afeganistão. Estes compromissos parecem ter sido deixados de parte com alguma leveza. Contudo, a necessidade de melhorar a situação dos Direitos Humanos no Afeganistão é actualmente ainda mais urgente.

Neste contexto, a Amnistia Internacional sublinha abaixo três medidas concretas que V. Exa. poderá tomar de modo a contribuir eficazmente para melhorar a governação, assegurar o Primado da Lei e dos Direitos Humanos, todas elas de possível implementação imediata para melhorar a projecção do Afeganistão no futuro.

1. Melhorar os sistemas de responsabilização das forças militares e de segurança internacionais e Afegãs.

Na perspectiva do cumprimento da decisão do Governo Norte-americano de reforçar em 30.000 homens as suas tropas no Afeganistão, a Amnistia Internacional insta V. Exa a diligenciar no sentido de serem reforçadas as formas de responsabilização e de compensação respectivamente para os actores e vítimas das violações do Direito Internacional Humanitário e dos Direitos Humanos. A actual falta de mecanismos de responsabilização estimula e promove o sentimento negativo entre os Afegãos de que as forças internacionais estão acima da lei e não são responsabilizáveis pelas suas acções.

A Amnistia Internacional congratulou-se com a decisão do antigo Comandante das Forças Norte-Americanas e da Força Internacional de Assistência à Segurança da NATO, General Stanley McChrystal de, em Março de 2010, de trazer a maior parte das operações das forças especiais dos EUA para a mesma linha de comando que as forças regulares dos EUA e as forças da NATO. Contudo, tais forças tais como as US Army's Delta Force e os Navy Seals, tal como subcontratados civis, Agências de Inteligência bem como unidades de operações especiais de outros países, os quais deverão todos ser responsabilizados pelas suas acções e serem governados sob o Primado da Lei, continuam fora daquela cadeia de comando regular.

A Amnistia Internacional congratulou-se com a criação da Célula de Detecção de Baixas Civis da NATO (NATO Civilian Casualties Tracking Cell - CCTC) para investigar as queixas relativas a baixas civis mas está preocupada com o facto de esta unidade continuar sem recursos suficientes e autoridade para levar a cabo o seu mandato com credibilidade. Defendemos que, além dos recursos e autoridade suficientes, o mandato da CCTC deve ser alargado de modo a incluir “outras agências governamentais” de modo a incluir as numerosas Agências de Inteligência, unidades de forças especiais e subcontratados civis em operações no Afeganistão.

Em Junho de 2010, o Conselho do Atlântico Norte também adoptou orientações não vinculativas sobre compensações aos civis por parte de todas as nações que contribuíram com tropas para o Afeganistão. A Amnistia Internacional congratulou-se com a criação de tais orientações e insta a COMISAF a formalizar as mudanças e a criar uma directiva táctica descrevendo a importância de atender convenientemente aos danos causados a civis quando ocorram e oferecendo procedimentos práticos e detalhados para: registo das baixas, recepção de queixas, condução de investigações, reparações em forma de ressarcimento, pedido de desculpas ou outros gestos dignificantes. Adicionalmente, uma vez que as forças dos EUA e da NATO começam a entregar a segurança às forças de segurança do Afeganistão, a Amnistia Internacional insta V. Exa. a encorajar o Governo Afegão a desenvolver sistemas similares de investigação e reparação às vítimas civis.

2. Fim às detenções arbitrárias e transferências para tortura:

O aumento da extensão da luta no Afeganistão como resultado do aumento das tropas poderá levar o aumento do número de pessoas detidas. Sem uma melhoria imediata dos procedimentos de prisões e detenções, é provável que haja uma escalada nas violações do Direitos Internacional Humanitário e dos Direitos Humanos no que diz respeito aos detidos. A Amnistia Internacional recomenda que sejam adoptadas as seguintes medidas concretas com a finalidade de melhorar o respeito pelo Primado da Lei:

• O Governo Norte-Americano deverá conceder imediatamente acesso a advogados e a aconselhamento legal, a familiares, médicos e a representantes consulares, a todos os detidos dos EUA, quer em Bagram, Baia de Guantánamo Bay ou qualquer outro Centro de detenção dos EUA. Na falta de um sistema judicial efectivo, funcional, independente e imparcial no Afeganistão, os detidos de Bagram deverão ter acesso aos tribunais dos EUA de modo a contestarem a eventual ilegalidade das suas detenções. Actualmente, as forças dos EUA continuam a deter cerca de 900 Afegão sem uma clara autoridade legal e sem um processo legal adequados para o efeito.

• Os EUA e outros Estados Membro da NATO deverão assumir a responsabilidade sobre aqueles que foram capturados e/ou são mantidos sob custódia das respectivas forças de segurança e não serem entregues simplesmente ao controle Afegão, até não existirem garantias efectivas de que os detidos não correrão riscos de serem torturados ou sofrerem quaisquer formas de maus tratos, em particular nas mãos da Direcção Nacional de Segurança (National Directorate of Security - NDS).

• As forças dos EUA e da NATO devem instar o Governo Afegão para que proíba o NDS de deter prisioneiros e de permitir monitorização independente dos Direitos Humanos, nomeadamente pela Comissão Afegã Independente dos Direitos Humanos (Afghan Independent Human Rights Commission), com acesso a todos os locais de detenção e a todos os detidos.

• As forças dos EUA e da NATO devem procurar mecanismos para assegurar a existência de julgamentos justos, sem demora injustificada sobretudo para os que estão detidos, incluindo a opção de tribunais de competência mista para julgar aqueles que foram detidos em contexto das operações de contra-insurgência quer pelas forças Afegãs quer pelas internacionais.

3. Garantir a protecção dos Direitos Humanos durante as conversações de reconciliação com os Talibã.

A Conferência de Londres sobre o Afeganistão que teve lugar em Londres no dia 28 de Janeiro de 2009 foi marcada pelo compromisso de o Governo Afegão desenvolver e implementar um Programa de Paz e Reintegração com vista a reintegrar os designados elementos moderados dos Talibã na Sociedade Afegã.

Grupos da Sociedade Civil Afegã, em particular Grupos de Mulheres, têm levantado várias e sérias questões relacionados com os Direitos Humanos no Afeganistão se os Talibã forem convidados para se juntar ao processo político. Os Talibã registam uma vasta lista de abusos de Direitos Humanos quer enquanto Governo quer enquanto insurrectos. Hoje, nas áreas sob o seu controle, tal como era quando estavam no Governo, os Talibã têm limitado seriamente os Direitos das Mulheres e das Raparigas, incluindo a recusa de acesso à educação, ao emprego, à liberdade de movimentos, à participação política e representação.

Apelamos a V. Exa. que assegure que os Direitos Humanos, especialmente os Direitos das Mulheres, não sejam trocados ou comprometidos em qualquer processo negocial político, nomeadamente nas conversações para a reconciliação com os Talibã no Afeganistão e que, na linha da resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas 1325 sobre as Mulheres, a Paz e Segurança, as Mulheres Afegãs, sejam plenamente representadas nas fases estratégicas e durante as conversações para a reconciliação.

Como parceiros internacionais do Afeganistão, procure Portugal aumentar o envolvimento do Afeganistão no seu próprio desenvolvimento e reconstrução e assim seguir no cumprimento dos compromissos assumidos em conferências prévias, procure a implementação de cada um dos passos acima referidos de modo a atingir os objectivos e melhorar a situação precária dos Direitos Humanos no Afeganistão. É também importante assinalar que os interesses do Povo Afegão são (deverão ser) o principal enfoque do seu Governo e da Comunidade Internacional.

Mais informamos que carta idêntica a esta foi enviada para cada um dos Estados membro da NATO.

Com os mais respeitosos cumprimentos,

Lucília-José Justino
Presidente da Amnistia Internacional - Portugal

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