terça-feira, novembro 02, 2010

A migração interna na China e a violação de direitos humanos

Depois da era maoista, durante a qual aos habitantes de áreas rurais era negado o acesso às cidades, em finais da década de 1970 o sistema tornou-se um pouco menos restritivo e, a partir dos anos 80, assistiu-se na China a uma massificação da migração interna, estimando-se que actualmente cerca de 200 milhões de camponeses tenham tentado a sua sorte procurando trabalho e uma vida melhor no meio urbano.

Durante as quase três décadas da "maior migração mundial de sempre em tempo de paz", assim foi classificado este fenómeno, os migrantes foram e continuam a ser tratados como cidadãos de segunda dentro do seu próprio país.

De facto, dezenas de milhões de migrantes não têm direito a um sistema de saúde e abrigo adequados e são excluídos de uma vasta variedade de benefícios estatais concedidos aos residentes urbanos permanentes. São discriminados nos locais de trabalho e sujeitos a condições que pouco diferem da escravatura. Os seus filhos também são afectados pois não têm condições idênticas às dos filhos de residentes urbanos permanentes no que se refere ao acesso à educação obrigatória e gratuita, tendo muitos pais de optar por os deixar com familiares na área rural de origem.
Cha Guokung abandonou a sua aldeia para trabalhar em trabalhos esporádicos em Hangzhou, na China Oriental.

Quando um corte na perna infectou em 2006, impedindo-o de trabalhar, foi a um hospital estatal. Como não tinha seguro de saúde, o médico deu-lhe duas opções: pagar o tratamento que custava 1000 yuan (80 euros) por dia, o equivalente ao salário de um mês, ou amputar-lhe a perna. Cha teve sorte pois conseguiu tratamento subsidiado num hospital de caridade Cristão mas, em geral o tratamento médico é caro demais para pessoas nas suas condições.

O estatuto legal inseguro dos migrantes internos, o seu isolamento social, o sentimento de inferioridade cultural e o desconhecimento dos seus direitos deixa-os particularmente vulneráveis facilitando a sua exploração, impunemente, pelos empregadores.

No entanto a China é um dos estados partidários do “Acordo Internacional de direitos económicos, sociais e culturais” segundo o qual "os direitos humanos serão exercidos sem discriminação de qualquer tipo tal como raça, cor,..." sendo "origem social" explicitamente apontada como uma base ilegal de discriminação.
Para contornar o problema, o governo chinês mantém um sistema denominado hukou que fornece o fundamento regulador e administrativo para discriminação dos trabalhadores migrantes que, na realidade se baseia na sua distinta origem social, ou seja, serem residentes permanentes de áreas rurais.

O sistema hukou, elaborado nos anos 50, tem por base um conjunto de regras cuja finalidade era registar e fixar todos os residentes em áreas específicas para efectivamente dividir e diferenciar os privilégios das sociedades urbana e rural, controlar e restringir a migração entre regiões, particularmente das áreas rurais para as cidades e servir de base a um sistema de segurança pública a nivel nacional.

O hukou obriga todos os residentes da China a estarem registados no Departamento de Segurança Pública local. Estes departamentos possuem livrinhos de registo de habitação para todas as famílias e contêm informação incluindo nomes, datas de nascimento, ocupações, estado civil, etc. de todos os membros da habitação.

De acordo com um conjunto de regras emitido em 1985, qualquer pessoa que saia da sua zona hukou por mais de très dias tem de se apresentar às autoridades locais do destino na esquadra de polícia para obter um registo hukou temporário e, se não o fizer, fica sujeito a multas podendo ser obrigado a voltar ao local de residência permanente. Se a estadia for de mais de três meses tem que pedir uma licença de residência temporária que fornece a base legal de residência e é a chave para obter identidade legal. Esta licença é necessária para trabalhar, alugar habitação, abrir conta bancária, entrar em locais públicos e outros fins de identificação pessoal.

Obter esta licença temporária é um processo moroso e oneroso. Se nalgumas localidades o processo foi, de certo modo simplificado, em Beijing é extremamente difícil. Um dos melhores meios de superar as dificuldades é corrupto pois implica o suborno das autoridades locais e policiais. O sistema hukou é um círculo vicioso pois para se obter uma licença de residência é necessário um contrato de trabalho e vice-versa.

Um artigo da Lei do Trabalho na China de 1994, obriga os empregadores a estabelecerem um contrato de trabalho com os trabalhadores. No entanto um estudo efectuado pelo Centro de Pesquisa do Concelho de Estado concluiu que 46 por cento dos migrantes não tem contrato de trabalho e esta estimativa possivelmente está muito aquém da realidade.

Embora houvesse reformas do sistema hukou a partir dos anos 90 que facilitaram a deslocação de residentes rurais para as cidades – a mão-de-obra barata adaptava-se optimamente ao crescimento económico da China e a inevitabilidade de urbanização, o sistema continua a abafar a liberdade de deslocação e de residência urbana aos migrantes rurais sendo extremamente difícil residirem "legalmente" nas cidades.

Amnistia Internacional Portugal - Co-Grupo China

Faltam cinco dias para Hu Jintao chegar a Portugal. O artigo que acima reproduzimos é o sexto de vários com que o BLOG19 recebe o Presidente chinês.

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