terça-feira, maio 24, 2011

Dos direitos humanos e da Felicidade


Direitos humanos como pressuposto da felicidade não era exactamente um tema banal, e talvez não muito fácil também, já que equacionar as duas ideias em conjunto ainda é algo novo. Mas foi esse o ponto de partida para a belíssima e original reflexão que a psicóloga e professora da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa fez no último sábado, 21 de Maio, na Vila Alda, Casa do Eléctrico, na conferência da Amnistia Internacional Portugal – Grupo 19.

Inovadora, na ponte que estabeleceu entre direitos humanos e felicidade, nas suas dimensões individual e subjectiva, e colectiva e política, Helena Marujo demonstrou como estas duas realidades, que estamos habituados a ver em separado, são na verdade interdependentes e indissociáveis.

Do ponto de vista da AI, que assenta a sua filosofia de actuação na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), a garantia e cumprimento integral dos direitos que ali estão consagrados são pressuposto obrigatório para a felicidade. O coordenador do 19 foi até mais longe, quando disse na introdução do tema e da conferencista, que a felicidade também é, ela própria, um direito. Numa eventual e futura revisão da DUDH, que considerou urgente, Fernando Sousa afirmou que a felicidade deveria, por isso mesmo, ficar ali expressa enquanto tal.

Os estudos da psicologia sobre algo tão subjectivo como a felicidade são muito recentes – não têm mais de uma década. Mas operacionalizado o conceito, os psicólogos conseguiram lançar o seu olhar científico sobre ela e, ao fazê-lo, descobriram uma série de coisas interessantes, curiosas, e até, em alguns casos paradoxais. Por exemplo – e isto está desde logo relacionado com direitos humanos – o sentimento de bem-estar (e a auto-avaliação do nível de felicidade) é proporcional ao sentimento de autonomia e de auto-controlo sobre a própria vida, o que envolve uma cascata de direitos que constam na Declaração: liberdade de expressão, de associação e de mobilidade, direito ao trabalho e por aí fora. Justamente, numa realidade de sinal contrário, o desemprego é uma das experiências mais devastadoras a nível psicológico, comparável, por exemplo, à da viuvez, explicou a psicóloga.

Ao nível colectivo e político, fica a certeza da muitas reflexões que é necessário fazer. Nos dados dos inquéritos que avaliam o nível de felicidade dos povos, Portugal surge como o país da OCDE (que inclui 30) com o mais alto índice de desconfiança dos cidadãos pelos seus parceiros. Porquê? Não se sabe exactamente, mas a vida colectiva atribulada, os problemas sociais e políticos que parecem não ter solução à vista, ou o nível crescente de desigualdade social estão certamente relacionados com isso.

Ao nível dos países, a auto-avaliação do grau de felicidade é, por exemplo, bastante elevada na América Latina, tendo em conta os altos índices de pobreza ou de violência que assolam essas sociedades. Um paradoxo, para já, sem grandes explicações.

Pelo contrário, nas sociedades da abundância e do desperdício, onde o consumo se tornou uma espécie de religião, os níveis de felicidade não cresceram proporcionalmente ao aumento de conforto e bens materiais. Um certo vazio espiritual e de sentido para vida, reforçado por muitas solidões individuais, poderão ajudar a compreender esta outra realidade. Mas como explicou Helena Marujo, estes estudos estão a começar. Para abordar algumas destas questões na sua dimensão colectiva e política, a ciência que estuda a felicidade – a psicologia positiva – terá ainda de forjar novos instrumentos de análise. Organizações como a AI, que estão enraizadas na sociedade civil e já desenvolveram uma filosofia de actuação e um corpo de teoria política (em sentido lato) bastante sofisticado, poderão até dar uma ajuda. A conferência “Os Direitos Humanos como pressuposto da felicidade”, enquadrada nas comemorações da criação da Amnistia Internacional há 50 anos, da secção portuguesa há 30 e do 19 há 22, parece ter sido já um passo nesse sentido.
F.N.

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