Quando, em Fevereiro, Hosni Mubarak foi deposto, os jovens da Praça Tahrir choraram, correram, gritaram, explodiram, agarraram-se às cabeças, abraçaram-se às mães. No dia seguinte a mudarem o mundo, limparam a praça. Era preciso continuar o mundo. Era preciso começar o Egipto.
Tahrir foi a praça inicial das possibilidades de libertação. Os jovens, as redes sociais, a Internet, foram as potências que começaram a varrer as forças das ditaduras. Das ditaduras opressoras. A Tunísia e o Egipto. O Iémen e a Líbia. A Al-qaeda. Até em Luanda, também numa praça, a da Independência, há chispas apagadas - há dois dias terão sido detidos 20 manifestantes, protestavam contra a pobreza extrema.
Também a Europa se subleva, mas contra outra ditadura. A ditadura da "financeirização" das nossas vidas. Das dívidas. Dos impostos que as pagam. De um modo de fazer política que prospera na excepção e acomoda a corrupção. Da falta de oportunidades, de empregos. De um certo nojo do sistema que os exclui: não cabem. Azar.
Não é azar, é um choque entre o que está e o que há. E é a esperança de Tahrir de que a base da pirâmide empurre, em vez de sustentar, o topo.
Todos os dias acontecem coisas incríveis. Umas falidas, outras falhadas, algumas magníficas. Como Tahrir. Como a implantação das Portas do Sol. Ou como o discurso de Barack Obama há dois dias em Londres: "Nós aprendemos, melhor que a maioria, que o ensejo pela liberdade e pela dignidade humana não é inglês, nem americano, nem ocidental, é universal - e bate em cada coração". Minutos antes, John Bercow, o "speaker" da Casa dos Comuns, apresentava Obama com uma citação de Abraham Lincoln: "Quase todos os homens podem enfrentar a adversidade, mas se queres testar o carácter de um homem, dá-lhe poder."
O poder que temos é mau carácter. Há uma revolta violenta na Grécia. Há protesto em França. Há uma mudança em Espanha. Há o quê em Portugal?
No Rossio estão (ainda?) poucos e têm credo diferente do espanhol. Apesar das afinidades, os nossos cartazes protestam contra o FMI e pedem a renegociação da dívida, gritos de partido; em Espanha pede-se uma nova Constituição, o que é um movimento político. Como escreve Nicolau Pais, aqui. Mas em Espanha começou assim, devagar. E agigantou-se.
É impossível dizer o que vai dar o acampamento do Rossio. Mas é incompreensível que a comunicação social, que tão rapidamente se moveu e comoveu com as revoltas do mundo árabe, não desça as escadas para ver o que passa à porta. Demorámos quatro dias a noticiar as Portas do Sol. Não ligamos as câmaras no Rossio. Que carácter mostra este Quarto Poder? Os jornais não podem ser parte do sistema ensimesmado. Porque os jornais são protectores das libertações e das democracias. Como aconteceu em Tahrir.
O sistema político tem uma oportunidade única para mudar mas não sabe como. Não compreende, não consegue comunicar com os manifestantes do 12 de Março. Chega a ser confrangedor, mas é como um ocidental entrar num táxi em Pequim: nem por palavras nem por gestos a comunicação é possível.
Há mais amor que ideologia. O que vai salvar a Europa não é o dinheiro. O que vai salvar a Europa é a política, outra política. Qual? Façam como em Atenas, vão à praça. E se tiverem vergonha, leiam o Villaret: "E mesmo que esteja frio/ Que os barcos fiquem no rio/ Parados sem navegar/ Passa por mim no Rossio/ E leva-lhe o meu olhar."
psg@negocios.pt
Jornal de Negócios
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